20 de setembro de 2011

#Aviso: este post é a atirar para o lamechas

Como é? Como é que se tira, como é que se apaga alguém do lugar mais precioso, de mais difícil acesso e com mais muros e barreiras que existe em nós, o coração?
Os Gregos antigos acraditavam que o centro do corpo, o orgão que comandava os desejos, as vontades e a personalidade dos homens era o coração. Hoje sabemos que este 'apenas' serve pra bombear o sangue vital à existência e que o verdadeiro responsável por toda esta magia de paixões, sentimentos e vontades é o complexo e misterioso cérebro, esse orgão traquina, que tanto nos mostra como oculta a sua natureza.
Mas a verdade é que os clássicos são os clássicos. Ninguem pensa no progresso da ciência ou em laboratórios de neurociência quando pensa em pessoas amadas, em saudades, em paixão. Pensa-se no coração. Ontem, hoje e sempre o coração. Já alguem ouviu outro alguem dizer: "- Tenho tantas saudades que até me doi a cabeça!" Não me parece. Mas quase que aposto que já ouviram alguem lamentar-se de "uma dor no peito, uma dor no coração sufocante". Vejam bem a importância simbólica que lhe damos, ao coração, que aquilo que 'apenas' bombeava o sangue agora já nos pode matar de sufoco.
Tudo isto para dizer que da memória é difícil tirar alguem, ou um dia, ou um minuto específico, mas podemos esbater a lembrança, ou arrumá-la devagar, devagarinho, numa caixa no sotão, na arrecadação do cérebro, talvez por categorias do género: 'Verão 2003' ou '1º semestre de 2009'. Mas e com o coração, o que é que se faz? O coração não arruma, o coração só guarda. É o 'orgão simbólico' mais ingénuo que pode haver, muito optimista e sado-masoquista até. No coração tanto cabem 10 como 1000, é grande, e como é um músculo não tem tamanho estanque, pode crescer se assim for treinado, e como tal, cabe sempre mais alguem. Mas, este orgão tem uma limitação que o torna frágil e ao mesmo tempo supremo; não está preparado para apagar, ou para retirar pessoas do seu interior. E quando acontece por vezes essa necessidade premente de apagar, de retirar uma pessoa, então aí não há mais nada a fazer. O processo é doloroso e moroso e quase mais burocrático do que um gabinete de uma repartição pública. (Oh meus amigos, e se a burocracia não é uma cabra lixada...Vocês bem o sabem!) Não há nada a fazer senão recortar, bem recortado e com cuidado, com uma lentidão e calma cirurgicas o espaço bem delineado que a pessoa ocupava no nosso coração. E depois, e depois de recortarmos tudo com cuidado, fica-nos o buraco, que muitas vezes não é um buraquinho coisa nenhuma, mais se assemelhando a um poço sem fundo, a umas cataratas do Niágara, a um talude continental de vazio, a um buraco onde dá pra enfiar o dedo gordo.
O processo é este... não há nada a fazer, afinal, é do caprichoso coração que estamos a falar. Não se pode fazer nada, a não ser esperar que não cheguemos ao fim da vida feitos num verdadeiro passador.

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